10/X - VIAGENS PELO MAR DO MEDO
x
A
madeira vermelha ficou mesmo muito famosa! O negócio era tão atraente e
tentador que, para muitos, valia a pena atravessar o Atlântico, em sua busca,
apesar das dificuldades, dos incômodos na caravelas desconfortáveis, dos riscos
da longa e demorada travesseia e outros problemas inesperados.
-
Essa madeira despertava muito interesse mesmo?
-
Prefiro o termo ganância, menina.
-
Joanna, com dois enes, Professor.
- Não
vou esquecer... Pau-brasil, como sabemos, meus Caros, minhas Caras, é uma
madeira de tronco duro, compacto, contém uma substância corante de tom vermelho
muito vivo e brilhante, a brasileína, empegada para tingir tecido de linho,
seda e algodão com um tom carmesim ou purpúreo. Um vidrinho dessa tinta custava
um bom dinheiro. Naquela época, o vermelho era o príncipe das cores. Rei que se
prezava tinha seu manto vermelho. Cardeais e nobres, também. Tanto interesse
encarecia o produto, porque a oferta era sem menor do que a procura.
A
Professora Diana observa:
- O
sexo feminino, Gente, também teve a participação no excesso de consumo da tinta
preciosa. A partir do século XVI, a mulher europeia, principalmente, a inglesa
e a francesa, passou a se interessar pelos requintes da moda, atraída pelo
suntuoso tom carmesim ou purpúreo: a cor da nobreza. Isso deu um grande impulso
na indústria têxtil, exigindo cada vez mais dessa tinta extraída da árvore, aos
milhões em nossas terras. Confere, Professor Felício?
-
Sim. Não só para tinta servia o Pau-Brasil. Os móveis da Universidade de
Coimbra e de vários outros prédios públicos na Europa foram fabricados com essa
rica madeira do Brasil.
-
Brincadeira!
Iago,
até então quietinho no seu canto, levanta a mão e pergunta, como se faz em sala
de aula:
- Uma
viagem da Europa para o Brasil durava quantos dias?
-
Xiii!... Dias e dias. A calmaria atrasava muito uma viagem. Dois, três meses ou
mais, enfrentando o mau tempo, a fome e a sede. Há notícias de navio que levou
até cento e oitenta dias para cruzar o Atlântico. Boa parte da tripulação
morria antes de chegar ao destino, em consequência da má alimentação, da falta
de remédios e de conforto. Os marinheiros dormiam ao relento, no assoalho ou em
redes espalhadas ao ar livre pelo convés, com ou sem chuva. Deixar Lisboa rumo
ao Brasil ou a Índia era mesmo uma loteria. Precisava de muita sorte para
chegar bem ao destino.
- De
o pessoa do navio se alimentava? – procura saber Maria Vitória ainda sem
levantar o braço da tipoia, mas de olho no Chico, com receio de outra gozação.
-
Peixe, carne salgada, de porco ou de boi, bolachas secas. A conservação dos
alimentos era de péssima qualidade. Depois de certo tempo, a situação
tornava-se insuportável, os alimentos iam ficando ratos, apodrecidos e mofados.
Uma
menina faz careta:
-
Coitados! Ora, se estavam no mar por que não pescavam?
-
Isso os marinhos faziam sempre que possível. Mas, durante uma tempestade quem é
que consegue fisgar um peixe? Quando não tinham nada mais para se alimentar,
comiam ratos caçados no porão do navio ou gaivotas que voavam ao redor das
embarcações. E quando nem isso mais existia, cozinhavam tudo que era de couro,
como peças retiradas dos mastros, sola de sapatos, das bolsas ou de qualquer
outro objeto de pele de animal.
Cara
de nojo, Geni Maria observa:
- Se
a comida, Argh, era tão ruim, a água então devia ser uma nojeira!
-
Acertou, menina. Antes da partida de um navio, a tripulação devia enchia pipas
e barris de água potável suficiente para a viagem programada. Depois de duas
semanas, o líquido ia-se tornando esverdinhado, viscos, cheio de bichinhos e
infestado de bactérias, cada dia mais impróprio para o consumo.
Novas
caras de nojo e penalizadas.
- Já
existia pernilongo da dengue? – caçoa o Chico.
Risos.
- A
agua servida nos navios tinha mesmo um gosto horrível, insuportável. Mas era a
única fonte disponível para matar a sede.
-
Santa Maria! Ainda aparecia gente para se aventurar numa viagem dessa! –
suspira Luísa, chocada.
-
Claro que sim. Eram pessoas que tinham na cabeça o seguinte lema: o mundo
pertence a quem se atreve. Daí, corriam o mundo em busca de ouro,
principalmente.
- Eram
muitas as doenças nos navios? – quis saber Maria Vitória.
-
Muitas. De arrepiar os cabelos. Doenças provocadas pela má alimentação, pela
falta de higiene, pela dieta carente de sais minerais e vitaminas encontradas
nas frutas e nas verduras, fundamentais à saúde do ser humano. Morria gente
todo dia, atacada por febres malignas ou pelo medonho Mal-de-Luana. Outra
doença frequente entre os navegantes era o Escorbuto, provocado pela falta de
vitamina C, uma doença terrível que atacava as gengivas dos marinheiros,
fazendo cair os dentes. Morriam à mingua, no maior sofrimento.
Para
viajar naqueles navios o aventureiro tinha que ter muita coragem, saúde de
ferro, gostar exageradamente de dinheiro e nenhum amor à vida. Coisa de louco!
Mesmo assim, o Oceano Atlântico vivia cheio de navegantes ambiciosos, que não
tinham medo de tempestades em alto mar, de monstros marinhos, nem da fome, nem
da sede e muito menos da morte. Eram meses ao relento dentro de uma embarcação,
sem cama nem banheiro, pouca comida, enfrentando terríveis tempestades e
naufrágios. Mas, para muitos era preferível uma aventura assim, do que passar o
resto da vida trancafiado numa masmorra em seu país de origem.
-
Masmorra? Que isso, Professor? – pergunta Beto, espantado.
-
Cadeia. Boa parte dos navegantes eram presos por crimes praticados na vida.
Ganhavam o perdão da pena em troca de uma viagem dessa para trabalhar em um
navio.
Felipe,
também com os olhos arregalados, conta:
-
Monstros Marinhos! Monstros no mar? Vi na televisão...
-
Lógico que não. Antigamente, meus Jovens, o mar assombrava, porque era
desconhecido. A comunicação entre os povos era muito difícil. Faltavam bons
livros de informação para difundir o conhecimento ao mundo. Assim, o homem via
como verdadeiro, uma escabrosa mentira, uma lenda sem nenhum fundamento.
O
Oceano Atlântico era conhecido por Mar Tenebroso ou Mar da Escuridão. Pensavam
que a Terra era plana e que, depois do Cabo Não, que fica nas costas do
Marrocos, as águas se despencavam num precipício sem fim, indo cair no inferno.
Imaginavam ser o Mar habitado por gigantes imensos, por almas penas, por homens
sem cabeça, por monstros de um olho só ou de quatro olhos pregados nos ombros,
mas também por belas sereias, capazes de enlouquecer os marinheiros com seus
cantos sedutores. Tudo invencionice, fantasia pura.
Risos
amarelos.
- E
divertimento, não tinha? – Vitor, ainda meio assustado com o sofrimentos dos
navegantes daquela época.
-
Quase nada. Um ou outro tripulante, com sangue de artista, é que improvisava
uma apresentação de teatro ou de música. Mas, para preencher mesmo as horas de
ócio no convés, o jogo de cartas era imbatível.
-
Professor, dá licença? – levanta o braço a Renata.
-
Pode perguntar.
- Por
que deram o nome de Não ao Cabo Não?
- Ali
era o limite da navegação costeira da África Setentrional. Só em 1418, os
navegantes João Gonçalves Zaco e Tristão Vaz Teixeira, orientados pela Escola
de Sagres, do Infante Dom Henrique, conseguiram navegar além do Cabo Não,
descobrindo a Ilha do Porto Santo. O limite passou a ser o Cabo Bojador.
- Que
legal! – admira Rogério.
-
Havia até um ditado popular: quem navegar
para além do Cabo Não, ou voltará ou não.
- E o
Cabo Bojador foi ultrapassado por Gil Eanes, não foi?
-
Parabéns, Chico sabichão. Isso é história para outro dia.
Jaqueline
espanta-se:
- Meu
Deus! Tanto martírio para ganhar dinheiro!
- Ainda
hoje muita gente enfrenta horrores para garantir a sobrevivência. Depois, vocês
poderão pesquisar sobre as profissões no Mundo. Ainda existem trabalhos que
lembram o sofrimentos dos navegantes de mais de quinhentos anos atrás.
Rodrigo
dá sua opinião:
Eu
acho, Gente, que o pior trabalho é nas minas de extração de ouro ou carvão. Já
vi num filme...
Pausa.
A
manhã continua cheia de luz e sombra no Jardim Botânico, onde os meninos estão
ouvindo histórias da História do Brasil. Um galo cocorica longamente, outros
galos respondem. Existem soltos na área, dezenas de galos e galinhas, todos com
um missão muito importante: são agentes controladores de pragas, bem treinados
em comer insetos nocivos às plantas. Além de produzir ovos e pintinhos coloridos,
é claro.
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