A SAGA DO PAU-BRASIL

Procurei mostrar a trajetória heróica do Pau-Brasil em nossa História, como se apontando no mapa o curso do Velho Chico. O Brasil, quando mais conhece, mais ama. Mais respeita ** O livro está disponível nas principais LIVRARIAS do país, distribuído pela JURUÁ EDITORA, ou pedido pelo e-mail: welingtonpinto@yahoo.com.br ; welingtonpinto@oi.com.br *** CLIQUE abaixo (View my complete profile) e veja mais sites do autor sobre literatura.

Friday, April 01, 2005

09/IX - SUOR E SANGUE TUPI


IX
 

Pausa na narrativa.

No galho alto de um Jacarandá, um Canário-da-Terra, o nosso popular Chapinha, ou Cabecinha-de-Fogo, como é chamado em diferentes regiões do Brasil, quebra o silêncio momentâneo com o estalar seu canto cheio de alegria. E quase oculto entre as folhas de uma Cerejeira, ouvia-se, em dueto com o canário, o lamento de um Sabiá-Laranjeira; enquanto um beija-flor cruza o espaço aberto e se aproxima de um cacho de banana em formação para dividir o mel da flor da bananeira com um bando de pequenas abelhas.

Todos param um instante, distraídos, voltados para cima, ao derredor, procurando descobrir em que galho cantavam o Chapinha e o Sabiá, tentando acompanhar a agilidade do Beija-Flor que girava em volta de mais flores, numa parceria harmoniosa com as abelhas.

- Professor!... – Robson levanta o dedo.

- Pode perguntar.

- Será que Cabral ouviu aqui o canto de um Chapinha?

- Com certeza. Tanto do Cabecinha-de-fogo, como do sabiá, do pintassilgo, de tantos outros pássaros que encantam pelo canto e pela plumagem. Escutem o que o Comandante Américo Vespúcio disse da fauna alada brasileira: ... pássaros de diversas formas, e cores, e tantos papagaios que era deslumbrante; alguns corados como carmim, outros verdes e cor de limão e outros negros, e encarnados, e o canto dos pássaros que estavam nas árvores era coisa tão suave, e de tanta melodia, que nos acontece muitas vezes estarmos parados pela doçura deles. E a mata é de tanta beleza e suavidade que pensamos estar no Paraíso Terrestre.

Em seguida, o Botânico convida outra vez a Professora para substituí-lo na palestra. Ela concorda e começa falando da exploração do índio pelo branco:

- Para o europeu os selvagens tinham parentesco com os monstros medievais. Andavam nus e cultivavam hábitos estranhos, portanto, considerava-se superior, com direito sobre a terra, à liberdade e a própria vida do índio. Partindo deste princípio, os exploradores brancos utilizaram os silvícolas para cortar e carregar o Pau-Brasil para seus navios, em troca de pequenos objetos que mal valiam um vintém!

Jaqueline pede mais explicação:

- Desculpe! Não entendi direito...

- Como o nosso litoral era habitado por tribos indígenas de boa índole, pacíficos e dóceis, fazer escambo com essa gente foi moleza. Ainda mais que as ferramentas europeias eram de grande serventia ao índio na luta que travava com a Natureza pela sua sobrevivência.

- Escambo!

- Escambo, meu Caro Chico, era a maneira de realizar uma troca de um produto por outro, entre pessoas interessadas, sem envolvimento de dinheiro. Os índios davam Pau-Brasil aos europeus; em troca, recebiam quinquilharias ou ferramentas, coisas de pouco valor monetário.

- Então, o europeu era fera na tapeação dos índios! - debocha Marildinha.

A expressão do rosto da Professora muda rapidamente. Alisa com as palmas das mãos a frente da blusa, e censura:

- Uma judiação! Os nativos eram ignorantes, limitados às suas aldeias. Inocentes que nem crianças ficavam até zonzos diante de tantos objetos desconhecidos. Tudo era novidade: espelho, pente, guizo, colar de miçangas; ferramentas, como machado e faca, necessários para a própria obtenção da madeira para o branco; foices, enxadas, cunhas de ferro, tesouras, panelas, anzóis, tambor, sininho, pedaços de tecido, gorro vermelho. Por qualquer um desses objetos, um índio era capaz de dispor tudo que possuía, ou trabalhar duro de sol a sol para o branco, em troca de um presentinho de nada.

- Poxa, Pessoal, sinto até um frio por dentro...

- Dose acreditar, Maria Vitória Aparecida...

- Maria Vitória Ferreira Pinto, seu Chico Decoreba, e nem levantei o braço quebrado, dessa vez.

- Mas os índios aceitavam tudo numa boa, Professora?

- Para eles, Marisa, uns meninos, era uma festa... A maioria das tribos trabalhava com satisfação para o europeu invasor. Ainda mais cortando Pau-Brasil com machado de ferro! Comemoravam o fim da idade da pedra.

Ana Laura zomba:

- Engabelavam os coitados com coisinhas iguais aos mixurucos presentes das nossas lojas de 1,99!

- E até menos...

Hunnnnssss gerais.

- Coitados, Dona Diana! Essa exploração deve ter sido a parte mais amarga da história – conclui Renata, inconformada.

Maria Vitória sente um frio por dentro. Pensa no sofrimento dos índios. Mas fica calada.

Cidinha levanta uma dúvida:

- Professora: se os índios não falavam a língua dos brancos, como entendiam e obedeciam as ordens dos exploradores?

- O homem civilizado, quando esperto, arruma sempre um jeito para garantir suas vantagens, levar o seu lucro com o mínimo de gasto e quase nenhum trabalho pessoal. No princípio, fazendo gestos. Depois, aprendendo a linguagem dos indígenas e também ensinando a eles palavras de ordem, em sua língua. Não era tão difícil assim.

- Como que um nativo escolhia o objeto de seu agrado?

- Filipe, os brancos empregavam uma tática infalível: expunham os produtos na beira da praia. Coisinhas bem vistosas, brilhantes, coloridas! Atraídos, os nativos ficavam boquiabertos diante de tanta bugiganga. Logo, um interessado apontava com o dedo, mostrando o que desejava. Pulava e gritava palavras na sua língua, que os exploradores interpretavam como eu quero isso ou aquilo. Aí, o espertalhão branco fazia o índio entender:

- Muito bem, esse espelho será seu. Primeiro, corte dez pés de Arabutã, o nome do Pau-Brasil em Tupi-Guarani. E mostrava os dedos das mãos.

O índio escancarava os dentes de alegria. Pegava um machado, cortava as árvores, trazia a madeira para a Feitoria e ganhava o espelho. Outro ficava doido por um gorro vermelho, aí o explorador impunha:

- Ótimo, meu Amigo.

- Mui amigo! – grita o Luiz Fernando.

- Traga tantos troncos bem aparadinhos de Ibiratinga, outro nome que os índios davam ao Pau-Brasil. Sempre com gestos de cortar galhos, carregar nos ombros. E mostrava os dedos das mãos: tantos e tantos toros.

Um morubixaba, caído de amores por uma campainha, um mero sininho, que retinia diferente de todos os sons já ouvido, se tornava uma presa fácil. O explorador abusava:

- Tudo bem. Será seu e mais esta tira de pano vermelho, mas quero o navio cheio de Muirapiranga, referindo-se ao Pau-Brasil; e dos melhores, dos mais grossos. Fazia o gesto já conhecido de aparar a árvore. Entendeu? Índio nenhum reclamava da sorte. Diante de uma mercadoria que preenchia seus sonhos, não resistia, corria para mato com um machado bom de corte, mourejava de sol a sol, trazia a madeira e trocava pelo objeto desejado, ou melhor, sonhado. Não havia sábado, nem domingo de folga para um índio, depois do descobrimento. A semana toda derrubava a floresta para algum explorador europeu.

Ana Laura levanta-se como se impelida por uma mola, corada:

- Que gente malvada esses comerciantes brancos, faziam tudo para enganar os coitadinhos! Não tinha índio bravo no Brasil?

- Para botar para correr aquela corja de exploradores...

- Índios bravos? Ah, sim, havia. Lógico, mais para o interior do Continente. Como exemplo os Caetés, que habitavam desde a Ilha de Itamaracá até as margens do Rio São Francisco. Ferozes, rebeldes e andrófagos, comedores de carne humana; eram inamansáveis. Defendiam seu território com bravura, aliás, como os verdadeiros donos da terra não permitiam ser capturados, reagindo às ameaças dos invasores estrangeiros. Já os Tupiniquins, os Tamoios, os Tabajaras, os Carijós e outros que viviam no litoral eram de boa índole, aceitando com facilidade o entrosamento pacífico e danoso com os europeus.

Maria Vitória lembra:

- O Bispo Sardinha foi devorado pelos Caetés. Confere, Professora?

Sim. Em junho de 1556. Numa viagem para Portugal, seu navio Nossa Senhora da Ajuda naufragou-se nas costas de Alagoas. O Bispo e outros marinheiros salvaram-se, mas foram aprisionados e devorados pelos índios Caetés. Tribos tão selvagens que até o Padre José de Anchieta tinha medo deles. Eram tribos bárbaras e indômitas, aproximam-se mais à natureza das feras que à dos homens. Mais tarde foram exterminados pelo Governador Mem de Sá.

E depois de uma pausa:

- O Comandante Antônio Pigafetta, da frota de Fernão de Magalhães, escreveu sobre a antropofagia de índios no Brasil: ... comem algumas vezes carne humana, porém somente a de seus inimigos. Mas não é por gosto ou apetite que a comem. Não os comem nos campos de batalhas, nem tampouco vivos. Despedaçam o corpo e repartem entre os vencedores...

- Quantos índios existiam aqui no tempo de Pindorama?

- Boa pergunta, Rita. Antes de Cabral, supostamente mais de cinco milhões de aborígines viviam aqui dentro das matas e no litoral. Os primeiros extintos foram os Tupiniquins, pouco tempo depois da chegada de Cabral. Por volta de 1570, a tribo já era considerada extinta.

Índios morriam pelos maus tratos, massacres e também pelas doenças transmitidas pelos brancos, como a varíola, disenteria, tifo, lepra, pneumonia e outras. A mais devastadora dessas epidemias foi a varíola, cujos sintomas, de acordo com os gentios num relato ao Frei Bernardino Sahagun, em 1555, eram: ... tosse, grãos ardentes, que queimam... Muitos morreram com a pegajosa, compacta, dura doença de grãos.

De lá para cá desaparecerem aproximadamente 1.200 línguas nativas no Brasil e, com elas, seus povos. Hoje, somando todas a Nações Indígenas, são menos de trezentos mil índios. Cento e sessenta mil na região amazônica, falando aproximadamente cento e cinquenta línguas distintas. Juntos, mal lotariam três estádios de futebol.

- Puxa!

- Dose!

- Fogo!

Ana Laura ergue um braço e pede para recitar o versinho chamado Erro de Português. O Professor concorda e ela declama:

 

Quando o português chegou

Debaixo duma bruta chuva

Vestiu o índio.

Que pena!

Fosse uma manhã de sol

O índio tinha

Despido o português.

 

Risada geral.

- Ana Laura, parabéns, nota dez – festeja a Professora. E virando-se para a turma: - Cinco pontos para quem acertar o nome do autor do poema. Não vale a resposta de Ana Laura.

Alguns abanam os braços, gritando:

- Eu... Eu

- Eu...

- Você – aponta a Professora para Filipe.

- Foi o poeta paulista Oswald de Andrade.

Felício levanta-se do seu banquinho e se dirige à Professora, sorrindo:

- Muito bem!... Muito bem!... Professora Diana, ótima sua explicação. Ana Laura, boa a lembrança do poeta modernista Oswald de Andrade. Anote aí... Estudar o Movimento Pau-Brasil, liderado por esse escritor no Brasil. Parabéns para todos.

- Ótimo que gostou, Diretor. Agora, sua vez de continuar.

 

 

 

0 Comments:

Post a Comment

<< Home