05/V - A EMOÇÃO DO DESEMBAQUE
V
-
Conforme determinado, meus jovens, dia 26 de abril, domingo da Páscoa, Frei
Henrique Soares, de Coimbra, o principal dos padres a bordo, celebra a primeira
missa num altar armado nas areias de um país ainda para eles sem nome. Na
segunda-feira, grumetes cuidam de abastecer os navios de água fresca e lenha,
enquanto outros iniciam a preparação de uma pesada cruz de madeira. No dia 29,
Sancho de Tovar, o imediato de Cabral, comanda a procura de alimentos. No dia
30 os marinheiros continuam levando água, lenha e alimentos para as
embarcações, ajudados pelos nativos, que se fizeram amigos dos portugueses.
Na
sexta-feira, dia 1º de maio, Cabral manda erguer a cruz, adornada com o brasão
do rei de Portugal, como sinal de posse e domínio. Ao pé dela, Frei Henrique e
seus freis, num altar rústico construído na véspera, celebram a segunda missa
na nova terra.
O
Capitão-Mor permanece o tempo todo ao lado do altar, todo garboso, vestido de
gala: um fardamento azul, com debruns dourados, espetado de medalhas, capacete
com penachos azul claro e amarelo, espadachim na cintura, botas longas de couro
cru e com um colar de ouro muito grande no pescoço.
Depois
da cerimônia, cercado pelos seus Capitães, Cabral, emocionado com os
acontecimentos, passeia pelas praias do ilhéu da Coroa Vermelha, saudando todo
mundo, isto é, os marujos que festejavam a posse e os nativos, curiosos,
reunidos na beira do mar, já bastante familiarizados com os portugueses.
Pedro
Álvares Cabral fica impressionado com a densa floresta logo na sua frente:
árvores colossais, tão grandes de alcançar as nuvens. E muito mais alegre ao
ver a imensa quantidade de Pau-Brasil, destacando-se no meio da mata, ao longo
da orla marítima.
- Os
Tupiniquins receberam tão bem assim os portugueses? – Carolina quer saber,
quase junto com outros meninos.
-
Com festa. Mais ou menos assim: os mais jovens cercam Cabral por todos os
lados, deslumbrados com sua vistosa vestimenta. Mães índias, cheias de
curiosidade, vão e vêm com seus filhos escanchados na cintura; riem de tudo,
com pureza. Os mais velhos, ainda desconfiados com a novidade, permanecem meio
afastados, observando a chegada dos estrangeiros. E os meninos, estes mais
alegres com a movimentação e, já bem entrosados com os brancos, promovem
macaquices na areia da praia, tentando chamar a atenção dos adultos.
- E
Cabral foi mesmo legal com os índios? – pergunta Rafael.
-
Adorou o bom entrosamento entre os gentios e a sua tripulação. Pedro Álvares cumpria
as recomendações de Dom Manuel I: fazer
amizade com os povos, estabelecer com eles relações de comércio e, se for o
caso, convertê-los à fé cristã.
Querendo
agradar, procura logo um jeito de retribuir a recepção e pede ao ex-Bobo da
Corte, o Marinheiro José Esperto, também conhecido pela alcunha de Zé Bom de
Pé, para fazer uma apresentação, isto é, dar um show, e divertir ainda mais
aquela gente.
-
Bobo da Corte, que isso, Professor – interrompe Paula.
-
Naquela época a corte contratava um cara engraçado só para fazer o pessoal rir.
Tinha que ser extrovertido, comunicativo e otimista. Brincalhão nato, que
gostasse de dar boas risadas, de fazer brincadeiras com os outros e sempre
disposto a contar uma boa piada. Entendeu?
-
Agora, sim. Bem, continua a contar que estou adorando.
-
Bom saber. Vamos lá: ... aí, o moço, que de bobo não tinha nada, esperto até no
nome, abre uma roda no meio das pessoas e começa a palhaçada: levanta-se sobre
as pernas arqueadas e se lança em uma série de figuras acrobáticas, cada uma
mais engraçada do que a outra, numa flexibilidade física e cênica fenomenal.
Salta de frente, salta de costas, gira no ar. Com as mãos no chão, corre de
pernas para cima. Dá cambotas. Saltos mortais. Faz careta. Apronta. Depois de
tanta estripulia, o Marinheiro, ainda consegue fôlego para pegar uma gaita de
foles, tocar músicas alegres e dançar; inspirado na ginga da capoeira africana,
introduzia até elementos de angola na coreografia. Um espetáculo e tanto, onde
só faltou mesmo o berimbau.
Dona
Diana ressalta:
-
Esse João Esperto devia, lógico, como um bom Bobo-da-Corte, parecer muito
engraçado mesmo. Tão ágil e espirituoso que rapidamente conquistou a atenção e
admiração dos silvícolas e até dos marinheiros, acostumados com suas
macaqueações.
- Os
índios, também caíram na farra? – mostra-se curioso, o Mateus.
-
Aposto que sim! - adianta a menina Rita de Cássia, com ar de sabichona.
- E
como! Os índios assistiam tudo, hipnotizados. Observavam o espetáculo com um
encantamento que crescia à medida que o Zé Bom de Pé encadeava cambalhota após
cambalhota. Cada um mais contagiado do que o outro, dançava a seu modo ou
arremedava gestos dos brancos.
E
imitando Cabral, Felício Esmaragdo segue com a narrativa:
-
Santos Anjos! Nessa colônia dinheiro dá em árvores, ou melhor, no sulco
bendito, colorido e afortunado dos seus troncos. Sua Majestade, Dom Manuel I,
precisa ser muito bem informado de tanta riqueza, ora, pois-pois!
Os
meninos começam a rir com a remedação linguística do sotaque português,
representado pelo Professor, já um artista para os ouvintes, agora bem mais
descontraídos:
- O
Jovem Cabral, Alcaide-Mor de Azurrara e Senhor de Belmonte, assim também
chamado, vibra com tudo. Logo despacha importante ordem a Caminha, escrivão que
entrou para nossa História por causa de uma carta:
-
Escrivão Pero Vaz de Caminha, cesse tudo que está aí a descrever dessa festa e
prepare uma descrição especial, em carta ao nosso rei, dizendo que tudo anda
certo no achamento das novas terras e que, nessa região santificada pela
fantástica natureza, existe em abundância a planta que dará muita riqueza ao
Reino de Portugal. É o Pau-Brasil, Pero Vaz, é a madeira de afortunadas
qualidades. Estamos feitos!
Em
seguida, Cabral convoca alguns ajudantes, e impõe:
-
Tragam os machados mais afiados e derrubem quantas boas árvores de Pau-Brasil
puderem. Quero todas viçosas e sadias, dignas de um monarca português. Enviarei
tudo, já, já, a Lisboa! A Europa mais uma vez cairá aos pés dos domínios lusitanos,
ora pois!
Risos
gerais.
Felício
Esmaragdo Valverde aprecia a própria versatilidade e dá outra de artista,
arremedando de novo o Almirante Português, no sotaque e nos gestos. Com a mão
direita, assim, na altura do peito, posudo, importante, fala mais grosso e
ordena:
-
Capitão Gaspar de Lemos, tão logo o Escrivão Caminha termine a Carta ao rei,
prepare sua nau e faça velas ao mar; retorne a Portugal com boa quantidade de
troncos de Pau-Brasil; D. Manuel vai adorar receber nossa encomenda. Que os ventos
lhe sejam constantes!
O
Professor faz uma pausa e continua:
-
Aí, meus jovens, ruídos estranhos dentro da floresta chamam a atenção de Cabral
e de seus comandados; barulhos muito esquisitos. Admirados, reparam ao longo
daquele imenso tapete verde. Cabral leva o dedo indicador aos lábios e para
para observar melhor e escutar uns guaribas, uns macacos, trançando de galho em
galho, no alto das árvores, no maior alvoroço. Terra mais estranha! Pensou, com
toda certeza.
Ana
Laura ergue a mão:
-
Pelo entusiasmo de Cabral, o Pau-Brasil só existia aqui.
-
Que nada! Documentos registram que uma espécie semelhante, a Caesalpinia Sappan,
nativa da Sumatra, já era industrializada na Ásia há muito tempo, desde o
século XI. O produto chegava a preço de ouro ao mercado europeu, vindo
principalmente do Egito e da Turquia, através dos comerciantes venezianos e
genoveses, habitantes de cidades hoje da Itália, que eram os melhores
navegadores do mar Mediterrâneo. Cabral tanto conhecia a famosa e procurada
Madeira de Tingir (Caesalpinia Echinata, este o seu nome científico de uma das
espécies encontradas no Brasil), que mal põe as botas na areia da praia já vai
de olho nas árvores de Pau-Brasil, logo na sua frente. Imaginem vocês como
ficaram os olhos cobiçosos do Capitão-Mor com o achado...
Marco
Antônio aproveita a deixa e brinca:
-
Cabral não quis mandar também umas belas moças índias para Portugal?
-
Menino esperto! Cabral não achou prudente enviar índios entre as amostras da
nova terra. Mandou apenas arcos, flechas, enfeites, papagaios de várias cores e
muitas toras da madeira vermelha, o cobiçado pau-de-tinta. Quanto mais nativo
ficasse para ajudar na derrubada da preciosidade, melhor, maior o lucro, deve
ter concluído fácil o Capitão.
César,
até então calado, indaga:
-
Quantos dias Cabral ficou no Brasil?
-
Dez dias, meu Caro. Tempo suficiente para tomar posse do território achado,
descoberto, como queira, recolher amostras da nova terra, mandar rezar duas
missas, como de costume e impressionar os índios, já caindo de amores pelas
gentilezas dos chegantes.
-
Pelo menos por enquanto - critica Ana Laura, cada vez mais ativa.
- Os
índios levam a pior, desde aquele dia... – interfere a Professora. - Os
europeus chegaram como os legítimos donos da terra, sem respeitar os direitos
dos povos que viviam aqui há séculos.
- A
Professora tem razão. Mas... Só para encerrar esse capítulo: no sábado, pela
manhã, a frota de Cabral parte para as Índias. E a nau de Gonçalo, abarrotada
de Pau-Brasil, volta para Portugal.
-
Professor, – pergunta Tijuca balançando o braço – a frota de Cabral tinha mesmo
os melhores navios daquele tempo?
- O
que havia de mais moderno, ou melhor, a síntese da mais alta tecnologia existente
na época. As caravelas eram consideradas as embarcações mais sofisticadas
disponíveis no mercado; o ônibus espacial da era dos descobrimentos
0 Comments:
Post a Comment
<< Home