A SAGA DO PAU-BRASIL

Procurei mostrar a trajetória heróica do Pau-Brasil em nossa História, como se apontando no mapa o curso do Velho Chico. O Brasil, quando mais conhece, mais ama. Mais respeita ** O livro está disponível nas principais LIVRARIAS do país, distribuído pela JURUÁ EDITORA, ou pedido pelo e-mail: welingtonpinto@yahoo.com.br ; welingtonpinto@oi.com.br *** CLIQUE abaixo (View my complete profile) e veja mais sites do autor sobre literatura.

Sunday, April 03, 2005

05/V - A EMOÇÃO DO DESEMBAQUE


V


 

- Conforme determinado, meus jovens, dia 26 de abril, domingo da Páscoa, Frei Henrique Soares, de Coimbra, o principal dos padres a bordo, celebra a primeira missa num altar armado nas areias de um país ainda para eles sem nome. Na segunda-feira, grumetes cuidam de abastecer os navios de água fresca e lenha, enquanto outros iniciam a preparação de uma pesada cruz de madeira. No dia 29, Sancho de Tovar, o imediato de Cabral, comanda a procura de alimentos. No dia 30 os marinheiros continuam levando água, lenha e alimentos para as embarcações, ajudados pelos nativos, que se fizeram amigos dos portugueses.

Na sexta-feira, dia 1º de maio, Cabral manda erguer a cruz, adornada com o brasão do rei de Portugal, como sinal de posse e domínio. Ao pé dela, Frei Henrique e seus freis, num altar rústico construído na véspera, celebram a segunda missa na nova terra.

O Capitão-Mor permanece o tempo todo ao lado do altar, todo garboso, vestido de gala: um fardamento azul, com debruns dourados, espetado de medalhas, capacete com penachos azul claro e amarelo, espadachim na cintura, botas longas de couro cru e com um colar de ouro muito grande no pescoço.

Depois da cerimônia, cercado pelos seus Capitães, Cabral, emocionado com os acontecimentos, passeia pelas praias do ilhéu da Coroa Vermelha, saudando todo mundo, isto é, os marujos que festejavam a posse e os nativos, curiosos, reunidos na beira do mar, já bastante familiarizados com os portugueses.

Pedro Álvares Cabral fica impressionado com a densa floresta logo na sua frente: árvores colossais, tão grandes de alcançar as nuvens. E muito mais alegre ao ver a imensa quantidade de Pau-Brasil, destacando-se no meio da mata, ao longo da orla marítima.

- Os Tupiniquins receberam tão bem assim os portugueses? – Carolina quer saber, quase junto com outros meninos.

- Com festa. Mais ou menos assim: os mais jovens cercam Cabral por todos os lados, deslumbrados com sua vistosa vestimenta. Mães índias, cheias de curiosidade, vão e vêm com seus filhos escanchados na cintura; riem de tudo, com pureza. Os mais velhos, ainda desconfiados com a novidade, permanecem meio afastados, observando a chegada dos estrangeiros. E os meninos, estes mais alegres com a movimentação e, já bem entrosados com os brancos, promovem macaquices na areia da praia, tentando chamar a atenção dos adultos.

- E Cabral foi mesmo legal com os índios? – pergunta Rafael.

- Adorou o bom entrosamento entre os gentios e a sua tripulação. Pedro Álvares cumpria as recomendações de Dom Manuel I: fazer amizade com os povos, estabelecer com eles relações de comércio e, se for o caso, convertê-los à fé cristã.

Querendo agradar, procura logo um jeito de retribuir a recepção e pede ao ex-Bobo da Corte, o Marinheiro José Esperto, também conhecido pela alcunha de Zé Bom de Pé, para fazer uma apresentação, isto é, dar um show, e divertir ainda mais aquela gente.

- Bobo da Corte, que isso, Professor – interrompe Paula.

- Naquela época a corte contratava um cara engraçado só para fazer o pessoal rir. Tinha que ser extrovertido, comunicativo e otimista. Brincalhão nato, que gostasse de dar boas risadas, de fazer brincadeiras com os outros e sempre disposto a contar uma boa piada. Entendeu?

- Agora, sim. Bem, continua a contar que estou adorando.

- Bom saber. Vamos lá: ... aí, o moço, que de bobo não tinha nada, esperto até no nome, abre uma roda no meio das pessoas e começa a palhaçada: levanta-se sobre as pernas arqueadas e se lança em uma série de figuras acrobáticas, cada uma mais engraçada do que a outra, numa flexibilidade física e cênica fenomenal. Salta de frente, salta de costas, gira no ar. Com as mãos no chão, corre de pernas para cima. Dá cambotas. Saltos mortais. Faz careta. Apronta. Depois de tanta estripulia, o Marinheiro, ainda consegue fôlego para pegar uma gaita de foles, tocar músicas alegres e dançar; inspirado na ginga da capoeira africana, introduzia até elementos de angola na coreografia. Um espetáculo e tanto, onde só faltou mesmo o berimbau.

Dona Diana ressalta:

- Esse João Esperto devia, lógico, como um bom Bobo-da-Corte, parecer muito engraçado mesmo. Tão ágil e espirituoso que rapidamente conquistou a atenção e admiração dos silvícolas e até dos marinheiros, acostumados com suas macaqueações.  

- Os índios, também caíram na farra? – mostra-se curioso, o Mateus.

- Aposto que sim! - adianta a menina Rita de Cássia, com ar de sabichona.

- E como! Os índios assistiam tudo, hipnotizados. Observavam o espetáculo com um encantamento que crescia à medida que o Zé Bom de Pé encadeava cambalhota após cambalhota. Cada um mais contagiado do que o outro, dançava a seu modo ou arremedava gestos dos brancos.

E imitando Cabral, Felício Esmaragdo segue com a narrativa:

- Santos Anjos! Nessa colônia dinheiro dá em árvores, ou melhor, no sulco bendito, colorido e afortunado dos seus troncos. Sua Majestade, Dom Manuel I, precisa ser muito bem informado de tanta riqueza, ora, pois-pois!

Os meninos começam a rir com a remedação linguística do sotaque português, representado pelo Professor, já um artista para os ouvintes, agora bem mais descontraídos:

- O Jovem Cabral, Alcaide-Mor de Azurrara e Senhor de Belmonte, assim também chamado, vibra com tudo. Logo despacha importante ordem a Caminha, escrivão que entrou para nossa História por causa de uma carta:

- Escrivão Pero Vaz de Caminha, cesse tudo que está aí a descrever dessa festa e prepare uma descrição especial, em carta ao nosso rei, dizendo que tudo anda certo no achamento das novas terras e que, nessa região santificada pela fantástica natureza, existe em abundância a planta que dará muita riqueza ao Reino de Portugal. É o Pau-Brasil, Pero Vaz, é a madeira de afortunadas qualidades. Estamos feitos!

Em seguida, Cabral convoca alguns ajudantes, e impõe:

- Tragam os machados mais afiados e derrubem quantas boas árvores de Pau-Brasil puderem. Quero todas viçosas e sadias, dignas de um monarca português. Enviarei tudo, já, já, a Lisboa! A Europa mais uma vez cairá aos pés dos domínios lusitanos, ora pois!

Risos gerais.

Felício Esmaragdo Valverde aprecia a própria versatilidade e dá outra de artista, arremedando de novo o Almirante Português, no sotaque e nos gestos. Com a mão direita, assim, na altura do peito, posudo, importante, fala mais grosso e ordena:

- Capitão Gaspar de Lemos, tão logo o Escrivão Caminha termine a Carta ao rei, prepare sua nau e faça velas ao mar; retorne a Portugal com boa quantidade de troncos de Pau-Brasil; D. Manuel vai adorar receber nossa encomenda. Que os ventos lhe sejam constantes!

O Professor faz uma pausa e continua:

- Aí, meus jovens, ruídos estranhos dentro da floresta chamam a atenção de Cabral e de seus comandados; barulhos muito esquisitos. Admirados, reparam ao longo daquele imenso tapete verde. Cabral leva o dedo indicador aos lábios e para para observar melhor e escutar uns guaribas, uns macacos, trançando de galho em galho, no alto das árvores, no maior alvoroço. Terra mais estranha! Pensou, com toda certeza.

Ana Laura ergue a mão:

- Pelo entusiasmo de Cabral, o Pau-Brasil só existia aqui.

- Que nada! Documentos registram que uma espécie semelhante, a Caesalpinia Sappan, nativa da Sumatra, já era industrializada na Ásia há muito tempo, desde o século XI. O produto chegava a preço de ouro ao mercado europeu, vindo principalmente do Egito e da Turquia, através dos comerciantes venezianos e genoveses, habitantes de cidades hoje da Itália, que eram os melhores navegadores do mar Mediterrâneo. Cabral tanto conhecia a famosa e procurada Madeira de Tingir (Caesalpinia Echinata, este o seu nome científico de uma das espécies encontradas no Brasil), que mal põe as botas na areia da praia já vai de olho nas árvores de Pau-Brasil, logo na sua frente. Imaginem vocês como ficaram os olhos cobiçosos do Capitão-Mor com o achado...

Marco Antônio aproveita a deixa e brinca:

- Cabral não quis mandar também umas belas moças índias para Portugal?

- Menino esperto! Cabral não achou prudente enviar índios entre as amostras da nova terra. Mandou apenas arcos, flechas, enfeites, papagaios de várias cores e muitas toras da madeira vermelha, o cobiçado pau-de-tinta. Quanto mais nativo ficasse para ajudar na derrubada da preciosidade, melhor, maior o lucro, deve ter concluído fácil o Capitão.

César, até então calado, indaga:

- Quantos dias Cabral ficou no Brasil?

- Dez dias, meu Caro. Tempo suficiente para tomar posse do território achado, descoberto, como queira, recolher amostras da nova terra, mandar rezar duas missas, como de costume e impressionar os índios, já caindo de amores pelas gentilezas dos chegantes.

- Pelo menos por enquanto - critica Ana Laura, cada vez mais ativa.

- Os índios levam a pior, desde aquele dia... – interfere a Professora. - Os europeus chegaram como os legítimos donos da terra, sem respeitar os direitos dos povos que viviam aqui há séculos.

- A Professora tem razão. Mas... Só para encerrar esse capítulo: no sábado, pela manhã, a frota de Cabral parte para as Índias. E a nau de Gonçalo, abarrotada de Pau-Brasil, volta para Portugal.

- Professor, – pergunta Tijuca balançando o braço – a frota de Cabral tinha mesmo os melhores navios daquele tempo?

- O que havia de mais moderno, ou melhor, a síntese da mais alta tecnologia existente na época. As caravelas eram consideradas as embarcações mais sofisticadas disponíveis no mercado; o ônibus espacial da era dos descobrimentos

 

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