03/III - O PRIMEIRO CONTATO
III
Entusiasmado
com a motivação nos meninos, o Professor continua:
- Na
quinta-feira, dia 23, assim que amanheceu, a esquadra cabralina avança um pouco
mais, ancorando-se em frente à desembocadura de um pequeno rio, o Caí, ao sul
do Monte Pascoal, aproximadamente meia légua (3 km) da costa.
Dos
navios, a tripulação curiosa, avista um grupo de homens que andava pela praia.
Nicolau Coelho, marujo que participou da viagem de Vasco da Gama à Índia, foi o
primeiro a desembarcar para tentar um contato com os nativos.
- E
o coitado foi sozinho? – se preocupa Ana Laura.
-
Não, nem pensar... Levou o companheiro Gaspar da Gama, o judeu da Índia,
conhecedor de vários dialetos hindus da costa de Malabar, um padre, um grumete
da Guiné e um escravo da Angola.
E
depois de um suspiro:
-
Tudo era desconhecido até então. Ana Laura, venha ler o trecho em que a carta
de Caminha registra este encontro histórico.
A
menina, vaidosa:
-
Sim, Professor. Parece que virei a narradora oficial do Jardim Botânico! Muito
bem, me dá o livro.
-
Não vale gaguejar – faz chacota a Maria Vitória.
- Eu
não sou gaga. Muito bem, vamos lá: de
acordo com Caminha eram poucos índios, cerca de 18 ou 20, pardos, todos nus,
trazendo nas mãos arcos e suas setas, aguardavam na praia os estrangeiros com
aquelas roupas mais espalhafatosas, jamais vistas por eles. Nicolau, por
gestos, fez sinal para que pousassem os arcos. E eles consentiram. Dóceis,
receptivos, tornaram fácil o primeiro encontro com o branco. Nicolau, para
iniciar as relações diplomáticas com os índios, ofereceu-lhes o seu barrete
vermelho, uma carapuça de linho e um chapéu preto. Em troca, os índios
retribuíram com uns cocares de penas compridas, pintadas de vermelho, e colares
de continhas brancas; o Padre dava-lhes a bênção, fazendo no ar o
sinal-da-cruz, o que os índios, naturalmente, nada entendiam.
O
Professor dá um tapinha de leve no ombro da estudante, agradecendo. E continua:
-
Quando Nicolau regressou ao navio, todo satisfeito, Cabral esperava aflito no
convés: - Vamos, Nicolau, (o Professor Felício acentua o sotaque português),
diga logo o que viu, o que conversou com a gente dessa terra!
O
marujo, o rosto avermelhado pelo sol forte da praia, o dólmã, um tipo de casaco
militar, desabotoado no peito, responde ainda meio surpreso:
-
Pura sorte! Mal sabe o Capitão o que nossos olhos viram?
-
Não me faça suspense, ó Nicolau. Sem trocadilhos, conte logo.
Nicolau,
piscando muito, exclama:
-
Todos nus, Capitão! Peladinhos! Peladinhos! Tanto homens como mulheres. Gente
parda, de bons narizes e bons corpos. Ih! Nuzinhos, como Adão e Eva no Paraíso!
Pobrezitos, de uma ignorância espantosa! Nunca dos nuncas meus olhos viram
coisa igual. Mas, são muito agradáveis.
-
Que nada vestem, isso lá eu sei, pá!... Afinal para que servem minhas lunetas!
Diga que conversa teve com eles, homem de Deus? Não me minta pela gorja! –
Cabral, impaciente, alisava com a mão direita a barba densa, arrebitando um
pouco o dedo mindinho, onde exibia uma safira indiana, presa num grosso anel,
reluzente ao sol.
Os
olhos do Marinheiro Nicolau brilhavam como a safira do dedo do Capitão-Mor. E
procura explicar melhor o encontro com os nativos:
-
Ora, pois, pois, Almirante. Ih! Ih! Tentar, eu tentei falar no Português mais
compreensível que pude. E nada. Não entendiam bulhufas. Também nada compreendemos
do que eles falaram. Uma língua muito estranha! Entendemo-nos por meio de
gestos. Capitão, isso garanto: aqueles lá não são negros, nem mouros, nem
hindus.
-
Arre! Isso eu também percebi, ora, Nicolau – bufa Cabral.
Cabral
começa então a passear de um lado para o outro no convés do navio, absorto em
pensamentos. Depois, torce o nariz e pergunta:
-
Nicolau, diga-me mais: deu para saber se professam alguma religião, se temem ao
nosso Deus?
Mais
uma vez, com um sorriso amarelado, Nicolau Coelho se esquiva:
-
Não, Capitão. Isso lá não me foi possível perguntar. Me perdoe... Nem lembrei.
Cabral
andava cada vez mais ansioso pelo convés, com passadas tão rijas que tremem o
soalho da embarcação. Para e grita por um marinheiro, pede um jarro de água
fresquinha, trazida da terra pelos companheiros de Nicolau, e bebe quase tudo
num gole só. O calor tropical batia intenso. Os portugueses não estavam
acostumados com um clima assim.
-
Jesus! De que adianta lembrar, você só fala Português, Nicolau! Não ia entender
nada mesmo! Os nativos terão pelo menos alma?
O
marinheiro, num sorriso servil:
-
Isso lá não foi possível observar, meu Capitão. Ih!... Se aqueles têm alma como
nós, não mostraram. O padre pode responder com segurança. Assim que aterrarmos
todos, vamos esmiuçar a vida dessa gente. Saberemos tintim-por-tintim o que se
passa com eles. São pacíficos e curiosos, isso eu garanto, e facilitarão tudo,
com certeza.
Após
refletir, Cabral faz um sim com a cabeça e aplica várias batidinhas nas costas
de Nicolau, aliás, confuso com tanta pergunta. Cabral, compreensivo:
-
Pileca!... Está bem! Está bem, Companheiro! Todos ficam liberados para
desembarcar, tão logo decida o dia e a hora. Um porém: não podemos esquecer que
estamos aqui nesse fim do mundo para trabalhar, nada de excessos. Dos índios,
primeiramente, cuidarão os religiosos. Encontre o Escrivão Pero Vaz de Caminha
e relate tudo o que viu.
Terminada
a conversa com o Marinheiro Nicolau, o Capitão-Mor, os olhos pregados no
Continente, recosta-se num dos mastros do convés; emocionado pelo espetáculo de
cores e de luz de um pôr-do-sol inteiramente novo.
O
Professor continua:
-
Vem a noite, Cabral ainda permanece na proa do navio, calado, namorando no infinito
uma estrelinha solitária, que brilhava e tremia, muito viva, destacando-se no
firmamento. E certamente pensando em Isabel de Castro!
-
Isabel de Castro! Quem era? - surpreende-se Isabela.
- A
sua namorada. Muito ansiosa, esperava por ele em Portugal.
-
Eles se casaram?
- Em
1503. Tiveram vários filhos e viveram felizes para sempre.
-
Legal!
- Só
mais tarde Cabral deixa o convés, dá algumas ordens à tripulação e entra na
cabine para repousar. Junto à imagem de Nossa Senhora da Boa Esperança, reza
uma oração: Ó bondosa Protetora dos filhos de nossa terra, nunca desprezes as
preces, daquele que em Ti, sempre espera.
Apaga
o candeeiro e logo adormece; feliz da vida, encantado.
Maria
Vitória quebra o silêncio dos ouvintes e tira uma dúvida:
-
Índios! Por que chamaram nossos selvagens de índios? Para mim, índio deveria
ser gente da Índia.
- Você
tem inteira razão, minha querida! Esse foi o nome que Cristóvão Colombo deu aos
nativos, ao descobrir o Continente Americano, em 1492. Colombo morreu
acreditando que tivesse chegado em terras indianas. Por isso, chamava de índios
as criaturas que encontrou nas Antilhas.
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