A SAGA DO PAU-BRASIL

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Sunday, April 03, 2005

03/III - O PRIMEIRO CONTATO


III


 

Entusiasmado com a motivação nos meninos, o Professor continua:

- Na quinta-feira, dia 23, assim que amanheceu, a esquadra cabralina avança um pouco mais, ancorando-se em frente à desembocadura de um pequeno rio, o Caí, ao sul do Monte Pascoal, aproximadamente meia légua (3 km) da costa.

Dos navios, a tripulação curiosa, avista um grupo de homens que andava pela praia. Nicolau Coelho, marujo que participou da viagem de Vasco da Gama à Índia, foi o primeiro a desembarcar para tentar um contato com os nativos.

- E o coitado foi sozinho? – se preocupa Ana Laura.

- Não, nem pensar... Levou o companheiro Gaspar da Gama, o judeu da Índia, conhecedor de vários dialetos hindus da costa de Malabar, um padre, um grumete da Guiné e um escravo da Angola.

E depois de um suspiro:

- Tudo era desconhecido até então. Ana Laura, venha ler o trecho em que a carta de Caminha registra este encontro histórico.

A menina, vaidosa:

- Sim, Professor. Parece que virei a narradora oficial do Jardim Botânico! Muito bem, me dá o livro.

- Não vale gaguejar – faz chacota a Maria Vitória.

- Eu não sou gaga. Muito bem, vamos lá: de acordo com Caminha eram poucos índios, cerca de 18 ou 20, pardos, todos nus, trazendo nas mãos arcos e suas setas, aguardavam na praia os estrangeiros com aquelas roupas mais espalhafatosas, jamais vistas por eles. Nicolau, por gestos, fez sinal para que pousassem os arcos. E eles consentiram. Dóceis, receptivos, tornaram fácil o primeiro encontro com o branco. Nicolau, para iniciar as relações diplomáticas com os índios, ofereceu-lhes o seu barrete vermelho, uma carapuça de linho e um chapéu preto. Em troca, os índios retribuíram com uns cocares de penas compridas, pintadas de vermelho, e colares de continhas brancas; o Padre dava-lhes a bênção, fazendo no ar o sinal-da-cruz, o que os índios, naturalmente, nada entendiam.

O Professor dá um tapinha de leve no ombro da estudante, agradecendo. E continua:

- Quando Nicolau regressou ao navio, todo satisfeito, Cabral esperava aflito no convés: - Vamos, Nicolau, (o Professor Felício acentua o sotaque português), diga logo o que viu, o que conversou com a gente dessa terra!

O marujo, o rosto avermelhado pelo sol forte da praia, o dólmã, um tipo de casaco militar, desabotoado no peito, responde ainda meio surpreso:

- Pura sorte! Mal sabe o Capitão o que nossos olhos viram?

- Não me faça suspense, ó Nicolau. Sem trocadilhos, conte logo.

Nicolau, piscando muito, exclama:

- Todos nus, Capitão! Peladinhos! Peladinhos! Tanto homens como mulheres. Gente parda, de bons narizes e bons corpos. Ih! Nuzinhos, como Adão e Eva no Paraíso! Pobrezitos, de uma ignorância espantosa! Nunca dos nuncas meus olhos viram coisa igual. Mas, são muito agradáveis.

- Que nada vestem, isso lá eu sei, pá!... Afinal para que servem minhas lunetas! Diga que conversa teve com eles, homem de Deus? Não me minta pela gorja! – Cabral, impaciente, alisava com a mão direita a barba densa, arrebitando um pouco o dedo mindinho, onde exibia uma safira indiana, presa num grosso anel, reluzente ao sol.

Os olhos do Marinheiro Nicolau brilhavam como a safira do dedo do Capitão-Mor. E procura explicar melhor o encontro com os nativos:

- Ora, pois, pois, Almirante. Ih! Ih! Tentar, eu tentei falar no Português mais compreensível que pude. E nada. Não entendiam bulhufas. Também nada compreendemos do que eles falaram. Uma língua muito estranha! Entendemo-nos por meio de gestos. Capitão, isso garanto: aqueles lá não são negros, nem mouros, nem hindus.

- Arre! Isso eu também percebi, ora, Nicolau – bufa Cabral.

Cabral começa então a passear de um lado para o outro no convés do navio, absorto em pensamentos. Depois, torce o nariz e pergunta:

- Nicolau, diga-me mais: deu para saber se professam alguma religião, se temem ao nosso Deus?

Mais uma vez, com um sorriso amarelado, Nicolau Coelho se esquiva:

- Não, Capitão. Isso lá não me foi possível perguntar. Me perdoe... Nem lembrei.

Cabral andava cada vez mais ansioso pelo convés, com passadas tão rijas que tremem o soalho da embarcação. Para e grita por um marinheiro, pede um jarro de água fresquinha, trazida da terra pelos companheiros de Nicolau, e bebe quase tudo num gole só. O calor tropical batia intenso. Os portugueses não estavam acostumados com um clima assim.

- Jesus! De que adianta lembrar, você só fala Português, Nicolau! Não ia entender nada mesmo! Os nativos terão pelo menos alma?

O marinheiro, num sorriso servil:

- Isso lá não foi possível observar, meu Capitão. Ih!... Se aqueles têm alma como nós, não mostraram. O padre pode responder com segurança. Assim que aterrarmos todos, vamos esmiuçar a vida dessa gente. Saberemos tintim-por-tintim o que se passa com eles. São pacíficos e curiosos, isso eu garanto, e facilitarão tudo, com certeza.

Após refletir, Cabral faz um sim com a cabeça e aplica várias batidinhas nas costas de Nicolau, aliás, confuso com tanta pergunta. Cabral, compreensivo:

- Pileca!... Está bem! Está bem, Companheiro! Todos ficam liberados para desembarcar, tão logo decida o dia e a hora. Um porém: não podemos esquecer que estamos aqui nesse fim do mundo para trabalhar, nada de excessos. Dos índios, primeiramente, cuidarão os religiosos. Encontre o Escrivão Pero Vaz de Caminha e relate tudo o que viu.

Terminada a conversa com o Marinheiro Nicolau, o Capitão-Mor, os olhos pregados no Continente, recosta-se num dos mastros do convés; emocionado pelo espetáculo de cores e de luz de um pôr-do-sol inteiramente novo.

O Professor continua:

- Vem a noite, Cabral ainda permanece na proa do navio, calado, namorando no infinito uma estrelinha solitária, que brilhava e tremia, muito viva, destacando-se no firmamento. E certamente pensando em Isabel de Castro!

- Isabel de Castro! Quem era? - surpreende-se Isabela.

- A sua namorada. Muito ansiosa, esperava por ele em Portugal.

- Eles se casaram?

- Em 1503. Tiveram vários filhos e viveram felizes para sempre.

- Legal!

- Só mais tarde Cabral deixa o convés, dá algumas ordens à tripulação e entra na cabine para repousar. Junto à imagem de Nossa Senhora da Boa Esperança, reza uma oração: Ó bondosa Protetora dos filhos de nossa terra, nunca desprezes as preces, daquele que em Ti, sempre espera.

Apaga o candeeiro e logo adormece; feliz da vida, encantado.

Maria Vitória quebra o silêncio dos ouvintes e tira uma dúvida:

- Índios! Por que chamaram nossos selvagens de índios? Para mim, índio deveria ser gente da Índia.

- Você tem inteira razão, minha querida! Esse foi o nome que Cristóvão Colombo deu aos nativos, ao descobrir o Continente Americano, em 1492. Colombo morreu acreditando que tivesse chegado em terras indianas. Por isso, chamava de índios as criaturas que encontrou nas Antilhas.

 

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